A Resiliência de um Povo que Dança

A Resiliência de um Povo que Dança

No Dia Internacional dos Povos Indígenas, a cultura e a ancestralidade do povo Kariña que mantém viva sua identidade

“A dança é um elemento primordial para o nosso povo, é através dela que nos identificamos enquanto Kariña”, afirma a matriarca Diolimar. Nessas palavras, revela-se um dos traços mais profundos dessa cultura, intimamente ligado à sua cosmogonia — segundo a qual foi por meio da dança que o mundo teve origem.

E é esse movimento que embala e ao mesmo tempo enraíza a cultura do povo Kariña, que desde cedo, inicia as crianças no Mare-Mare, dança ancestral que celebra a vida, os ciclos da natureza e a ligação entre os antepassados e as gerações atuais. A dança, ensinada aos jovens tornou-se um caminho para manter viva essa herança: ao aprenderem os passos, os cantos, o toque dos instrumentos e o significado das vestimentas, eles assumem o papel de guardiões e transmissores do legado Kariña.

Ser Kariña hoje, reitera Diolimar, “é ter identidade cultural e étnica” e, mais do que isso, “ é preservar e autodeterminar nossa cultura”. Essa autodeterminação à qual se refere é um direito essencial dos povos indígenas e, através dele, definem, de forma livre e autônoma, como desejam viver e expressar sua cultura. É uma escolha consciente que revela a resiliência para manter viva uma herança ancestral diante dos desafios do presente.

Essa reflexão ganha ainda mais relevância no Dia Internacional dos Povos Indígenas, celebrado em 9 de agosto, data instituída para reforçar a importância da preservação das culturas originárias e para promover a conscientização sobre seus direitos. A data recorda que a diversidade cultural e o conhecimento tradicional são patrimônios valiosos da humanidade, cuja continuidade depende do respeito, da valorização e da proteção aos povos que os mantêm vivos.

Essência e Cultura do Povo Kariña

Os Kariña são um povo originário da região norte da América do Sul, com presença histórica na Venezuela, Guiana e Suriname. Sua cultura é marcada por manifestações artísticas e espirituais profundas. Entre elas, o artesanato com a produção de redes (chinchorros), cestas e utensílios produzidos com fibras naturais, como a palma de buriti (moriche), são símbolos tanto de utilidade quanto de tradição.

A música e a dança – especialmente o Mare-Mare – marcam as celebrações e fortalecem os vínculos comunitários. Flautas de bambu, tambores e maracas embalam tanto as festividades quanto os rituais como o Akaatompo, o Bomankaano e o Bepeekotono, cerimônias que honram os mortos e conectam gerações.

A língua Kariña, embora ameaçada, é um pilar identitário. Sua preservação é um desafio, mas também uma prioridade para quem entende que perder o idioma é perder um pedaço essencial da alma de um povo.

A Voz da Juventude

Deilimar, jovem Kariña, destaca a importância do Dia Internacional dos Povos Indígenas como um momento fundamental para reafirmar os direitos dos povos originários. Segundo ela, apesar dos avanços na visibilidade dessas causas desde a criação da data, os jovens enfrentam desafios para viverem sua identidade, especialmente fora da comunidade. Entre esses desafios, pontua “a falta de um espaço físico para a comunidade Kariña, a valorização da língua materna e a necessidade de uma educação intercultural que reconheça e fortaleça sua cultura”. Além disso, Deilimar reforça que “o acesso a direitos como a demarcação de terras, saúde e educação ainda são questões essenciais para o povo Kariña”.

Essa autonomia garante que as decisões sobre o presente e o futuro cultural partam da própria comunidade, e não de imposições externas. É fundamental para a preservação das culturas indígenas porque protege a transmissão de saberes entre gerações, impede a descaracterização das tradições e fortalece a identidade coletiva. Quando os povos podem conduzir sua própria vida cultural, mantêm vivo um patrimônio imaterial que enriquece não apenas suas comunidades, mas toda a humanidade.

O Apoio Humanitário e a Interculturalidade

Reconhecendo esses desafios enfrentados pelos povos indígenas em situação de migração forçada e refúgio, a Fraternidade – Missões Humanitárias Internacionais (FMHI) atua de forma estratégica para fortalecer e preservar as diversas culturas indígenas. Por meio da Missão Roraima Humanitária, em Boa Vista, e do Centro Cultural de Formação Indígena (CCFI), são promovidos encontros de saberes tradicionais e feiras indígenas que expõem e comercializam produtos de diferentes povos originários. Como explica o servidor humanitário Juan Diego, “essas atividades abrangem oficinas de medicina tradicional, produção de panelas de barro, pintura com pigmentos naturais, pintura corporal, confecção de biojoias e danças típicas, todas essas ações “incentivam e valorizam a continuidade das expressões culturais indígenas em meio aos desafios do mundo contemporâneo.

No CCFI há um esforço especial para incentivar a valorização e a recuperação da língua materna, especialmente entre o povo Kariña. Como ressalta Juan Diego, “um dos maiores desafios enfrentados pelas comunidades indígenas é a perda progressiva do idioma, que já afetou várias gerações”. Por isso, segundo ele, as feiras interculturais promovidas são momentos fundamentais para fortalecer esse vínculo linguístico, com recitais, encenações e dramatizações realizadas na própria língua Kariña. Além disso, “o CCFI atua intensamente para resgatar saberes tradicionais, como o uso das vestimentas típicas, ampliando a preservação cultural não apenas do povo Kariña, mas de outras comunidades indígenas também”, acrescenta Juan Diego.

Um Futuro Possível

A construção de um futuro possível para o povo Kariña passa pela preservação e valorização da cultura como alicerce de sua identidade. Para Dailimar, “manter vivas as tradições significa garantir a continuidade dos conhecimentos ancestrais e promover o respeito e a valorização da história Kariña”, assim, as novas gerações poderão reconhecer suas raízes e fortalecer seu pertencimento.

Luis Tempo destaca que a garantia dos direitos territoriais e culturais é essencial para que o povo Kariña possa projetar seu futuro com autonomia e dignidade. Ele enxerga um amanhã marcado pelo reconhecimento do povo Kariña, de sua cultura e tradições, aliado à implementação de uma educação diferenciada que valorize esses saberes e assegure o fortalecimento da identidade indígena.

A matriarca Diolimar reforça que a manutenção da cultura depende do engajamento dos jovens, e esse engajamento já pode ser testemunhado através do grupo de jovens que já vem promovendo a dança, os rituais e as demais tradições Kariña. Seu sonho é que o Brasil conheça e respeite essas manifestações culturais, espalhadas por diferentes estados, e que garantirão que a cultura Kariña continue viva, vibrante e presente para as futuras gerações.