Diante do contínuo fluxo migratório da Venezuela para o Brasil, a Missão Roraima Humanitária, coordenada pela Fraternidade – Missões Humanitárias Internacionais (FMHI), mantém suas ações em Boa Vista, acompanhando os desafios e necessidades dos migrantes e refugiados indígenas que chegam ao país por Pacaraima, a 215 km da capital de Roraima. A Missão segue somando esforços para apoiar aqueles em situação de vulnerabilidade.
Segundo dados da OIM, Agência da ONU para as Migrações, de janeiro de 2017 à novembro de 2024, 910.608 migrantes venezuelanos adentraram em território brasileiro, pela cidade de Pacaraima, em busca de refúgio, isso correspondeu a 75% do total de imigrantes que entraram no país nesse período.
De acordo o Fundo das Nações Unidas para a Infância, UNICEF, só em 2024, dados de janeiro a agosto, mais de 60 mil refugiados e migrantes entraram no Brasil por Pacaraima, representando uma média de 250 pessoas por dia. Destes, aproximadamente 21 mil são crianças e adolescentes (4-17 anos). Muitas chegam sozinhas ou com pessoas que não são suas responsáveis legais.
O Centro Cultural e de Formação Indígena (CCFI), iniciativa duradoura e continuada da Fraternidade – Missões Humanitárias (FMHI), em parceria com a Operação Acolhida, ao longo do ano 2024 promoveu atividades que visaram ao desenvolvimento integral e sociointerativo de indígenas venezuelanos, brasileiros e guianeses. O CCFI tem atuado com instituições públicas, empresas privadas, Forças Armadas, agências humanitárias e de desenvolvimento, e comunidades indígenas, desenvolvendo processos de diálogo, interação e intermediação, sempre em direção à construção de soluções e ao fortalecimento de estratégias para assegurar o acesso dos indígenas refugiados e migrantes aos seus direitos.
Atividades ocorridas no Centro Cultural e de Formação Indígena (CCFI) em 2024
O foco das atividades planejadas na Missão Roraima Humanitária para o ano de 2024 foi o empreendedorismo nas três linhas de atuação: Formação para o Desenvolvimento, Interculturalidade e Apoio ao Empreendedorismo. Dessa forma, as três áreas trabalharam em conjunto, em prol do desenvolvimento de empreendedores e em suas necessidades para seguirem adiante.
Setor de Empreendedorismo
Em fevereiro, ocorreram, em parceria com outras instituições, os seguintes cursos no CCFI: Redes Sociais e Noções de “Marketplace”, Empreendedorismo, Precificação, bem como mentoria e consultoria personalizadas. Os principais objetivos dessa iniciativa foram estimular a visão empreendedora nos indígenas artesãos e contribuir de forma significativa para a inserção desses migrantes no mercado de vendas, altamente competitivo. Na oportunidade, foram apresentadas ferramentas de gestão estratégica de negócios e ensinado, na prática, como operacionalizá-las.
Por outro lado, a Fraternidade – Missões Humanitárias (FMHI), em parceria com outras organizações, prestou apoio personalizado ao empreendedores e possibilitou que 18 empreendimentos individuais e familiares fossem beneficiados com as mentorias e consultorias continuadas que resultaram no desenvolvimento de estratégias eficazes para cada caso. As mentorias agregaram valor aos produtos comercializados e viabilizaram a chegada de insumos e matérias-primas aos empreendedores.
Setor de Formação para o Desenvolvimento
No mês de julho, ocorreu o Curso de Férias para os jovens indígenas do povo Macuxi, da comunidade da Normandia, uma iniciativa que uniu esforços entre a Fraternidade – Missões Humanitárias (FMHI) e a Escola Estadual Indígena Arlindo Gastão de Medeiros. Dentre as atividades oferecidas no CCFI, destacam-se: informática, gastronomia, pintura, pigmentação natural, conhecimento lógico e dança cultural.
Entre os meses de outubro e novembro de 2024, a Fraternidade – Missões Humanitárias (FMHI), por meio do setor de Intervenção em Educação em Situações de Emergência e Respostas Humanitárias, promoveu o curso de Alfabetização em Língua Portuguesa, que uniu o ensino da língua com diversas atividades de expressão cultural e criativa para jovens e adultos indígenas venezuelanos dos Povos Taurepang, Akawaio, Eñepa e Warao, com a finalidade de inclusão sociocultural, fomento à autonomia e ao autodesenvolvimento, bem como acesso ao mercado de trabalho.
Setor de Interculturalidade
As feiras interculturais, este ano, abrilhantaram os dias dos mais de 14 povos participantes com suas atrações. É notável que os indígenas enxergam as feiras como uma oportunidade de reencontrarem-se e socializarem-se com os povos irmãos que vivem em localidades distintas dentro do estado de Roraima, embora não queiram perder a oportunidade singular de vender sua produção de artesanato aos visitantes nessas ocasiões.
Em 2024, houve três edições da feira intercultural. Além da venda de artesanato, panelas de barro e das apresentações musicais e de dança, cada uma abordou um tema diferente e trouxe peculiaridades no âmbito do fortalecimento da identidade, união e valorização cultural indígena:
1 – Em março, com o tema “Vestimentas Tradicionais Indígenas”, houve a confecção de roupas a partir do algodão natural pelos povos Wapixana e Macuxi, diversas partilhas e palestras que abordaram a cultura e a vestimenta de cada povo, além de apresentações das vestimentas tradicionalmente usadas pelos ancestrais indígenas.
2 – Em junho, com o tema “Lendas, Contos e Histórias Indígenas”, o encontro contou com momentos dedicados à contação de histórias e mitos por indígenas representantes de diferentes povos.
3 – Em dezembro, com o tema “Herança Culinária”, ocorreu a elaboração de pratos tradicionais, com direito à degustação. Com a intenção de melhorar a visibilidade dos produtos oferecidos e facilitar o escoamento da produção, essa foi a primeira feira realizada fora do espaço físico do CCFI, na Praça Velia Coutinho, no centro de Boa Vista. Também nessa edição, pela primeira vez, o povo Jiwi participou e pôde partilhar histórias, música e dança de sua cultura.
É importante destacar que o setor de Interculturalidade, ao longo do ano, organizou, dentro das instalações do CCFI, as oficinas de Panelas de Barro, Pintura, Pigmentação Natural, Algodão e Tecelagem, além da Medicina Tradicional. Esta última trouxe para o circuito sociocultural e educativo a Vivência Empreendedora de um grupo indígena brasileiro em vias de se tornar uma cooperativa, objetivando a socialização da experiência e do conhecimento com os migrantes indígenas acerca do processo de elaboração de medicamentos tradicionais, acondicionamento e distribuição à comunidade de forma organizada. Essa iniciativa visou ao despertar para a oportunidade de beneficiar suas comunidades no caminho da autosustentabilidade, bem como utilizar o conhecimento adquirido como uma nova fonte de renda.
Para Rafael Rodríguez, indígena Jiwi, as feiras interculturais representam uma oportunidade única para ajudar a preservar as culturas e raízes ancestrais dos povos indígenas beneficiados. Considerando que estão em situação de refúgio, fora de seu território original e em um país com outra cultura, os saberes, costumes e histórias tradicionais estão sendo valorizados, “ajudando as próximas gerações a preservarem sua identidade sem perderem sua cultura e, assim, em qualquer país da geografia, vamos sempre conhecer o que somos e o povo ao qual pertencemos”.
Avaliando o desempenho da Missão Roraima no ano de 2024
Em três momentos no início do ano, ocorreu a Casa Aberta, um espaço criado para acolher ideias e sugestões dos indígenas participantes, fundamentando o planejamento das próximas ações. O encontro contou com a presença de indígenas migrantes venezuelanos, indígenas brasileiros atendidos no CCFI e um representante da Força-Tarefa Logística Humanitária.
Uma carga horária de 2.672 horas foi empregada na realização de atividades desenvolvidas pelos servidores humanitários da Fraternidade – Missões Humanitárias (FMHI) em 27 cursos e oficinas nas áreas de gastronomia, tecnologia, costura e empreendedorismo, além de 3 feiras interculturais e diversos encontros de mentoria e assessorias técnicas, oportunizando 1.292 participações de pessoas indígenas beneficiadas.
O setor de Intervenção Educação em Situações de Emergências e Respostas Humanitárias atuou em várias ocasiões por meio das oficinas de arte, bem-estar, dinâmicas comportamentais, suporte psicossocial a indivíduos e grupos, bem como nos cursos de alfabetização, português, espanhol, panare (língua do povo E’ñepa) e conversação.
O Espaço de Expressão Cultural atuou em 2024 na Educação Integral para crianças e adolescentes do povo E’ñepa, incluindo o estudo dos idiomas português, espanhol e panare.
A Educação Integral funcionou durante três meses, com uma frequência de três vezes por semana, resultando em uma formação muito proveitosa, da qual participaram 28 crianças e jovens entre 8 e 14 anos. As atividades desenvolvidas abrangeram desde as lúdicas e cognitivas até as relacionadas à vida diária, como a escovação dos dentes.
Entre outubro e novembro, aconteceu no CCFI o Curso de Alfabetização em Língua Portuguesa. Ele surgiu a partir de uma demanda da própria comunidade indígena e teve uma abordagem que uniu o ensino da língua portuguesa com diversas atividades culturais e criativas. De forma inclusiva, o curso, que teve carga horária de 76 horas, superou as expectativas quanto à adesão e alcançou seus objetivos em direção à autonomia e à integração de jovens indígenas venezuelanos em seu novo contexto sociocultural.
Agradecimentos finais
A Fraternidade – Missões Humanitárias (FMHI) agradece às instituições parceiras e a todos que, de alguma forma, contribuíram para que a Missão Roraima pudesse minimizar os efeitos negativos da crise humanitária e melhorar as condições de vida e as perspectivas para o futuro dos povos migrantes indígenas que residiram em nosso país em 2024. Ao mesmo tempo, reforça o compromisso de continuar atuando para o fortalecimento da expressão cultural, a proteção da dignidade e dos direitos fundamentais e para a conquista da autonomia socioeconômica dos povos indígenas representadas na Missão, que neste ano ganharam novos rostos.